Cessar-fogo e o preço da dor
- Ana Maria G
- 13 de out.
- 2 min de leitura

O cessar-fogo entre Israel e o Hamas chegou, mas tarde demais. Tarde para as crianças que cresceram sob escombros, para as mães que enterraram filhos e para os que agora vivem o silêncio como quem ouve o eco de bombas dentro da própria mente. Depois de tantos mortos, surge a pergunta que nenhum governo consegue responder: por que precisou morrer tanta gente para que o diálogo começasse?
Durante meses, Gaza virou um campo de dor. Famílias inteiras desapareceram. Pais seguraram corpos de filhos que não puderam proteger. Em Israel, famílias também vivem o insuportável, aguardando por entes sequestrados, torturados e desaparecidos. Cada rosto ainda não encontrado é um lembrete de que a paz política nunca alcança o sofrimento humano. Enquanto líderes calculam ganhos e perdas, mães e pais contam dias e noites sem saber se seus filhos ainda respiram.
O mundo comemora o cessar das bombas, mas esquece que o trauma não cessa com elas. A paz assinada em papéis não reconstrói almas destruídas. O Hamas pode até ser enfraquecido militarmente, mas as ideias e feridas que o alimentam permanecem. Assim como o IRA na Irlanda do Norte e o Talibã no Afeganistão, o ódio e o sentimento de injustiça encontram sempre um novo nome para continuar existindo. Quando a dor não é curada, ela muda de forma e nunca desaparece.
O que restará agora é uma terra devastada por fora e por dentro. A reconstrução que Gaza precisa não é apenas de prédios, mas de humanidade. Do outro lado, famílias israelenses também precisam de algo que o cessar-fogo não devolve: seus filhos, seus pais e suas certezas.
A guerra acaba nos jornais muito antes de acabar nas pessoas. E talvez essa seja a maior tragédia de todas: só quando o número de mortos se torna insuportável é que os poderosos lembram que existe vida além da vingança.
Enquanto o mundo comemora a libertação de reféns, poucos conseguem compreender a dimensão da dor que permanece. As famílias israelenses que aguardaram meses por notícias de seus entes queridos agora enfrentam o desafio de curar traumas profundos mas terão um lar aquecido, um Estado que as acolhe, apoio psicológico e uma cama quente para recomeçar.
E os palestinos? Para onde voltarão quando a poeira baixar? Que casas restaram para acolher suas feridas? O cessar-fogo pode silenciar as bombas, mas não reconstrói lares nem apaga as cicatrizes de quem perdeu tudo. O trauma é compartilhado, mas as condições para se reerguer são desiguais.
A paz, quando chega tarde demais, já não é vitória. É luto.
Escrito por Ana Maria Galbier, cientista política.
Obs: imagem gerada por IA.







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