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O Mito da Democracia Americana: Da Fundação à Era Trump

  • Foto do escritor: Ana Maria G
    Ana Maria G
  • 20 de out.
  • 3 min de leitura
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Falar que os Estados Unidos são a “maior democracia do mundo” é repetir um mito que foi cuidadosamente construído, mas nunca completamente verdadeiro. Desde o nascimento da nação, o discurso da liberdade conviveu com a escravidão, a exclusão e o domínio econômico de poucos sobre muitos. O país sempre foi uma república liberal com aparência democrática, mas recheada de contradições profundas.

Fundação: liberdade para quem?

Quando os EUA foram fundados, em 1776, o lema era “todos os homens são criados iguais”. Mas quem eram esses “homens”? Apenas brancos, proprietários e letrados. Mulheres, negros e povos indígenas não tinham qualquer voz política. Enquanto o país escrevia sua Constituição exaltando a liberdade, milhões de pessoas eram escravizadas e os nativos eram expulsos de suas terras à força. A democracia americana nasceu com o DNA da exclusão.

Reconstrução e segregação: a liberdade com correntes

Após a Guerra Civil, em 1865, veio o fim formal da escravidão. Mas o racismo se reinventou. No sul, surgiram as leis de segregação racial, conhecidas como “Jim Crow Laws”, que separavam negros e brancos em escolas, transportes e até banheiros. O direito ao voto dos negros foi sufocado por impostos, provas de alfabetização e pelo terror da Ku Klux Klan. Era uma democracia racialmente controlada, feita para manter os privilégios de quem sempre mandou.

Guerra Fria: o discurso exportado

Durante a Guerra Fria, os EUA assumiram o papel de “defensores da liberdade” contra o comunismo. Internamente, porém, havia censura, perseguição política e um forte controle ideológico. Enquanto vendiam ao mundo o ideal democrático, apoiavam ditaduras na América Latina, na Ásia e no Oriente Médio, sempre que seus interesses econômicos estavam em jogo. O país que dizia defender a democracia ajudou a destruir várias delas.

Neoliberalismo e desigualdade: democracia com preço

Com o fim da Guerra Fria, os EUA viraram a potência absoluta. Mas a política passou a girar em torno do dinheiro. Campanhas eleitorais milionárias, lobbies corporativos e bancos financiando candidatos transformaram o voto em uma moeda de troca. A democracia virou um grande negócio, e quem não tem poder econômico praticamente não tem voz. “Um dólar, um voto” substituiu o “uma pessoa, um voto”.

A era Trump: quando a máscara cai

A eleição de Donald Trump em 2016 foi o ponto em que as contradições vieram à tona. Ele representou a reação branca e conservadora diante das mudanças sociais que vinham ocorrendo. O discurso autoritário, racista e conspiratório deixou de ser tabu e passou a ser estratégia. Trump atacou a imprensa, o Judiciário e as instituições democráticas. O episódio do ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, mostrou ao mundo que a democracia americana estava por um fio.

Trump não criou o autoritarismo americano. Ele apenas o revelou, sem maquiagem. O que antes era escondido por discursos patrióticos, agora é assumido abertamente.

2025: a volta do autoritarismo com cara de eleição

A volta de Trump ao poder, em 2025, fecha o ciclo da ilusão democrática. O mesmo homem que tentou desacreditar o processo eleitoral foi novamente eleito por um sistema que ele próprio dizia ser fraudado. Isso mostra que o problema não é apenas ele, mas o próprio modelo político americano ,um sistema que permite que o autoritarismo se reeleja democraticamente.

O novo governo Trump representa uma guinada mais explícita para dentro, com isolamento internacional, endurecimento nas fronteiras e um discurso nacionalista ainda mais agressivo. As tensões raciais e sociais voltaram a crescer, e parte da imprensa enfrenta perseguições veladas. Enquanto isso, o país segue profundamente dividido: de um lado, o trumpismo ideológico; de outro, uma resistência cansada, que tenta defender o que restou da ideia de democracia.

Os Estados Unidos continuam sendo formalmente uma democracia, mas na prática vivem um modelo de poder concentrado, manipulado e blindado. As instituições resistem, mas a confiança pública nelas está em colapso. O mito da “terra da liberdade” parece cada vez mais distante da realidade.

O retorno de Trump não é um acidente da história. É o resultado lógico de décadas de contradições, desigualdades e de uma crença cega na própria superioridade moral. A democracia americana está de pé , mas cambaleando, sustentada mais pelo hábito do que pela convicção.

Leituras recomendadas e referências

  • Howard Zinn — A People’s History of the United States

  • Noam Chomsky — Who Rules the World? e Requiem for the American Dream

  • Angela Davis — A Liberdade é uma Luta Constante

  • Cornel West — Democracy Matters

  • Martin Luther King Jr. — Where Do We Go from Here: Chaos or Community?

  • Sheldon Wolin — Democracy Incorporated: Managed Democracy and the Specter of Inverted Totalitarianism

  • Ta-Nehisi Coates — Between the World and Me


Escrito por Ana Maria Galbier, cientista política e fundadora desse site.

 
 
 

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